O uso das bicicletas tem crescido nos últimos anos e alterado a paisagem nas grandes cidades do Brasil. Entre os fatores que podem ter contribuído para essa mudança, um dos mais evidentes é o investimento em infraestrutura cicloviária. Dados de uma pesquisa brasileira reforçam essa perspectiva, ao demonstrar que ciclovias são um fator determinante para a adoção da bicicleta por quem ainda não pedala.
À medida que as cidades brasileiras expandiram suas malhas cicloviárias, o número de viagens de bicicleta em municípios de médio e grande porte cresceu mais de 20% entre 2014 e 2018, segundo relatório da ANTP, chegando a mais de 1,7 bilhão de viagens. A participação da bicicleta no total de viagens cresceu 50% – de 2% do total em 2014, para 3% em 2018. O número ainda é baixo, mas reflete a importância de as cidades seguirem investindo em infraestrutura cicloviária e implementando outras medidas que aumentem a segurança dos ciclistas.
A constatação é reforçada por uma pesquisa pública nacionalque mapeou percepções de brasileiras e brasileiros sobre o uso da bicicleta (saiba mais ao fim do artigo). Realizado pela União dos Ciclistas do Brasil, com apoio do WRI Brasil, o levantamento é parte das ações da Estratégia Nacional da Bicicleta (Enabici). Os dados são insumos para a elaboração do documento da Estratégia, uma agenda de ações com o propósito de transformar a realidade da mobilidade por bicicleta no Brasil até 2030 de forma a garantir mais segurança e conforto para as pessoas pedalarem em todo o território nacional. Com base em análises das quase 6 mil respostas à pesquisa e no conhecimento técnico sobre políticas para promoção da mobilidade segura e da bicicleta, elencamos a seguir três ações que poderiam levar mais pessoas a pedalarem no Brasil.
Segurança da infraestrutura viária
Dos respondentes que não utilizam a bicicleta como modo de transporte, 40% indicam a falta de infraestrutura adequada como principal barreira. Se a percepção de insegurança é um entrave, a infraestrutura cicloviária de qualidade é um provável indutor de viagens por bicicleta – e a pesquisa reforça essa hipótese. Mais de 43% dos respondentes que não utilizam a bicicleta como modo de transporte acham que não existem vias nas cidades em que seja seguro pedalar junto aos automóveis. Nesse mesmo grupo, 31,4% afirmam que não pedalam ou não pedalariam fora de ciclovias ou ciclofaixas. Ao mesmo tempo, as respostas das pessoas que já pedalam indicam que 90% delas dispõem de infraestrutura cicloviária em algum trecho de seu trajeto diário. Os dados sugerem que, para deixar de ser vista apenas como lazer pela população, a bicicleta como modo de transporte deve ser levada a sério, também, pelo poder público.
A infraestrutura confortável e segura é também geradora de equidade de gênero no transporte, como mostram estudos e experiências internacionais. Na pesquisa, 65% das respondentes mulheres afirmam preferir pedalar em infraestruturas exclusivas para bicicleta ou em locais com baixo fluxo de veículos motorizados. Além disso, 55% das mulheres alegam pedalar por infraestruturas exclusivas para bicicleta mesmo quando estas têm má qualidade. Ao comparar respostas de mulheres que não utilizam a bicicleta como transporte às respostas de homens, a diferença salta aos olhos: 45,1% das mulheres afirmam que não pedalam ou não pedalariam fora das ciclovias ou ciclofaixas, em comparação a 17,8% dos respondentes do sexo masculino.
Rotas diretas e bem conectadas
Implementar infraestrutura cicloviária em vias estruturais atrai novos ciclistas porque permite conexões mais diretas com os pontos de interesse das cidades – comércio, serviços, trabalho, educação e lazer. A pesquisa revela que mais da metade dos ciclistas e dos não ciclistas apontam a implantação de ciclovias em avenidas de fluxo intenso como a política mais promissora para o aumento do uso da bicicleta.
A experiência da cidade de Buenos Aires demonstra o potencial das rotas diretas. Desde 2020, a capital argentina tem implantado ciclovias em importantes avenidas. Após a implantação, Buenos Aires observou redução nos sinistros envolvendo ciclistas e aumento de 28% no uso da bicicleta. O aumento foi 107% maior nas avenidas que receberam intervenções do que nas vias alternativas. Além disso, as ciclovias da cidade também vieram acompanhadas de aumento significativo no percentual de ciclistas do sexo feminino, que passou de 11% para 28% do total de ciclistas.
Sistemas de compartilhamento de bicicleta
A pesquisa ainda indica o potencial de sistemas de compartilhamento, públicos ou privados, no aumento do uso da bicicleta como modo de transporte nas cidades. Metade dos respondentes que ainda não pedalam dizem morar em cidades sem sistema de compartilhamento de bicicletas e/ou bicicletas públicas. Para essas pessoas, sistemas desse tipo teriam como principais benefícios a possibilidade de pedalar sem precisar comprar uma bicicleta própria nem se preocupar com furto ou roubo.
A pesquisa também revela a importância da ampla distribuição das estações. Entre os respondentes de cidades com compartilhamento de bicicletas que não possuem bicicleta própria, a principal razão para não utilizarem o sistema foi o fato de as estações estarem concentradas apenas em locais que eles não transitam, seguido pelas distâncias das estações até os destinos.
Mais infraestruturas, mais ciclistas
Oferecer infraestrutura de qualidade para quem pedala, conectando as pessoas ao transporte coletivo e às oportunidades urbanas, é uma forma de estimular o transporte ativo, para o bem das cidades e das pessoas. É preciso acelerar a implementação de infraestruturas dedicadas seguras e de qualidade e de medidas de moderação de tráfego, que aumentem a segurança para o estímulo ao pedalar. Experiências na América Latina comprovam que a implantação de infraestrutura cicloviária segura e de qualidade tem grande potencial para atrair novos ciclistas.
Sobre a Enabici e a pesquisa
Em 2018, foi aprovada e sancionada a Lei Federal Nº 13.724, que institui o Programa Bicicleta Brasil (PBB). O objetivo do PBB é incentivar o uso da bicicleta por meio da melhoria das condições de mobilidade urbana. Para estabelecer colaboração da sociedade civil no desenvolvimento e na implementação do programa, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) firmou um acordo de cooperação técnica com as organizações Bike Anjo e União de Ciclistas do Brasil (UCB).
A partir do acordo, a UCB criou a Estratégia Nacional da Bicicleta (Enabici), em parceria com diversos atores da sociedade civil, do setor produtivo e de gestão municipal. O WRI Brasil é parte do Grupo Gestor da Enabici e apoiou a realização de uma Pesquisa Pública de escala nacional com o objetivo de compreender a percepção da população brasileira acerca da mobilidade por bicicleta em cidades, as principais barreiras para sua utilização, a condição das infraestruturas existentes, a disponibilidade dos serviços de bicicletas compartilhadas, e a interação entre a bicicleta e o transporte coletivo.
A pesquisa foi realizada entre novembro de 2020 e março de 2021, com divulgação orgânica nas redes sociais de organizações que compõem o Grupo Gestor da Enabici. A divulgação foi impulsionada em regiões com menor número de respostas, e houve contratação de respostas direcionadas para perfis de respondentes e localidades específicas, a fim de atingir representatividade populacional e melhor distribuição no território.
O público-alvo geral do questionário foram brasileiros acima de 15 anos de idade, porém foram definidos alguns públicos-alvo específicos, dos quais se desejava coletar informações, garantindo uma boa amostra de motoristas profissionais, entregadores que utilizam a bicicleta em suas atividades profissionais, pais e mães com filhos de até quinze anos de idade, e pessoas que não têm interesse em utilizar a bicicleta nas cidades. A Pesquisa considerou uma amostra final de 5.940 respostas.
Via WRI Brasil.